Há vida após o automobilismo? Sem
dúvida pois o automobilismo se foi e nós continuamos aqui
reclamando justamente disso. Ao mesmo tempo lá no céu, pilôtos que
já andaram no antigo circuito de Interlagos, hoje devem estar
olhando cá para baixo com a mão no queixo com expressão de
incredulidade. Não podemos pensar que o automobilismo que cultuamos
quase como uma religião no passado sobreviva e se fortaleça no
panorama atual do país. Seria demais querer fazer equivaler à
situação do nosso automobilismo o significado da famosa frase
religiosa 'Assim na Terra como no céu', carregada de esperanças.
O que resta de automobilismo no país
se resume a poucas categorias, nenhuma delas formadora. A maior
categoria do automobilismo atual é a ante-sala da aposentadoria,
muito embora a simbologia dela resista ao tempo após décadas, a
Stock Car. Fora isso nada há que se assemelhe ao passado. Por
exemplo, não temos mais a prova que eu considero a mais importante
da nossa história, a Mil Milhas Brasileiras, que no meu entender tem
importancia histórica superior à F1.
E o que fazer com um autódromo num
país onde não há automobilismo? No caso de Interlagos que é de
propriedade do município pode-se pensar em locar para outros
eventos. Vai longe (e muito) o tempo em que passei nas imediações
de Interlagos, ou que tenha ido lá diretamente, e tenha visto um
treino de carros ou motos num sábado. Era coisa comum. Hoje mudou
tanta coisa que não é de se estranhar um evento como um show do
Lollapalooza
lá nas dependencias da nossa mais famosa pista.
O autódromo é um ônus para a
prefeitura e é perfeitamente compreensível, e necessário, que ela
tente repor um tanto dos seus gastos abrigando eventos no autodromo
de outra natureza que não as competições automobilisticas. Num
país onde sepultamos um autódromo como Jacarépaguá, é um milagre
termos ainda em pé e em ótimas condições a nossa primeira pista
fechada.
Mas ao mesmo tempo que vemos muitos
eventos e quase nenhum automobilismo, quando caras da minha idade não
podem mais ver uma coisa como Mil Milhas porque simplesmente não
existe mais, voce fica tentando entender o que terá gerado uma
situação dessas. E é perfeitamente possível afirmar que culpar
federações apenas, não é uma explicação convincente. Há bem
mais a ser considerado.
Independentemente do que seja me dá
uma sensação de fim de feira passar perto do autódromo e ver uma
multidão se encaminhando para um show e ver o autodromo vazio em
dias de corridas. Fica a esquisita impressão de que as corridas são
eventualmente permitidas num lugar destinado precisamente à este
fim. E quando vejo público num evento e nenhum no outro no mesmo
lugar, passo a entender que o próprio público não tem mais
interesse pelo automobilismo. Após tantos anos de decadencia acho
bem difícil esse interesse ser resgatado.
Não tenho nada contra o uso do
autódromo para eventos que não sejam do tipo a que ele é
destinado. Mas acho que passou demais da hora de surgir alguma
iniciativa que coloque o automobilismo de volta ao asfalto, o que
poderia no futuro por de volta o público nas arquibancadas. Acho que
o tempo passou, que esse bonde já foi perdido e a linha
interrompida.
Hoje foi dia de realizar um dos meus
prazeres favoritos, uma visita ao Zé Minelli na sua fábrica. Como
sempre, antes de vir embora paramos numa padaria próxima onde
tomamos um café ao mesmo tempo que falamos do assunto 'do dia' -
carros de corrida. Na fila do caixa me deparei com o painel da foto
abaixo onde estão registrados os nossos ídolos do passado que
fizeram as suas vidas aqui mesmo nessa pista. Diante das condições
diria que é uma curiosa imagem.
E agora ao conectar na rede vejo que
está se alastrando uma briga na categoria na qual fui chamado a
fazer um desenho digital do chassi, na época da sua criação. A F
Vee, a terceira edição da categoria de monopostos que já foi a
mais barata do nosso automobilismo, está vivendo uma dissidencia que
parece dar argumentos para interpelações no campo jurídico.
Divide-se assim uma coisa que em duas partes torna-se fraca e tende a
desaparecer a longo prazo. Uma quarta edição é impensável. Essa
de hoje é a derradeira da história e caso não resista à acidez
das disputas pessoais passará tambem para o plano das lembranças. E
caso tal se suceda vamos colocar no seu lugar o que?
Um comentário:
Caro Zé,
Antes de tudo, um grande e saudoso abraço para o amigo.
Quanto ao seu texto, entendo que no final dele, ao comentar sobre a F Vee, você praticamente explica a principal razão para a agonia por que passa nosso automobilismo:
Egos gananciosos.
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