Vou tentar ser o mais breve possível,
mas não posso deixar de colocar algumas considerações que entendo
serem significativas. Na corrida da Austrália vimos um espetáculo
digno de questionamentos diversos. O ultimo colocado, Button, foi um
autentico azarado por não ter contado com a quebra de mais um dos
carros do pelotão da frente, situação que faria o ultimo colocado
marcar um ponto no campeonato. É visivelmente bizarro. Piquet faria
troças aos montes de uma situação dessas, ainda mais tratando-se
de uma McLaren.
Ao mesmo tempo os brasileiros
festejaram um claro desempenho bem produtivo de Felipe Nasser, que
por muito pouco não entrou no Q3 na classificação, na sua prova de
estréia como titular. Finalizou em quinto. Parabéns, ele merece.
A Mercedes fez o papel previsivel e deu
um genuino passeio na pista sem se incomodar com qualquer
concorrencia e ainda tendo pista livre pela impressionante ausencia
de retardatários. Há um abismo de performance entre eles o os
outros. Parabens tambem ao Hamilton que sabe tirar o maximo do seu
equipamento o tempo todo. Senão não poderia ser um campeão.
A exclusão do GP da Alemanha,
anunciada nesta semana é notícia que surpreende no que diga
respeito ao atrativo que a categoria pode oferecer. Neste ano, com
calendário já publicado, não teremos uma prova que é parte da
história da categoria desde o seu estabelecimento. É mais ou menos
como a quarta-feira deixar de ser o dia da feijoada, guardadas as
devidas diferenças. Uma situação “sem graça”.
Afinal, onde anda a graça da F1? Onde
está o futuro da categoria do futuro? O que atrai,ou repele, o
público?
Para fazer um paralelo, faço uso de
velhas lembranças minhas.
Nos anos 1960 o mundo voltou as suas
atenções para os vôos espaciais, com razões muito compreensíveis.
Era uma coisa inédita, nunca realizada pelo homem naquelas
condições. Três coisas básicas mantinham as nossas mentes ligadas
aos acontecimentos nos dias de uma missão das Apollo:
- o lançamento, uma impressionante
demonstração de poder e de ousadia.
- as imagens internas do vôo, onde se
viam esquisitos painéis mais incompreensíveis que os de um avião.
- as imagens dos tripulantes de volta
ao lar, sãos e salvos.
Não fazia muita, ou nenhuma, diferença
se o APU de um Saturno V usava AVGAS ou Hidrazina. O que atraía era
o espetáculo que envolvia muitas coisas além de uma tecnologia
sofisticadíssima. Hoje, vôos semelhantes não causam sensação.
Não há mais algo realmente surpreendente. Fora isso, hoje você
pode ter o twitter de um astronauta na sua lista e sequer precisa ler
uma pagina de jornal para ter as informações mais recentes. O mundo
de hoje chega até você, não é mais você que vai até ele.
No mesmo período o nosso campeão
Emerson pilotava um carro de engenharia de alto nível, mas com
conceitos básicos perfeitamente dentro da nossa compreenção. Todos
nós éramos capazes de andar com um carro com um volante, três
pedais, uma alavanca de cambio e quatro rodas. Se um pneu estourasse,
isso era tão visivel e compreensivel como nos nossos carros. Se um
cambio quebrasse uma marcha era possível suspeitar disso antes do
carro parar. Se ele parasse por falta de combustivel, ou o piloto
pisou demais ou vasou. E assim por diante.
Enfim, a F1 era muito mais próxima da
compreenção do ser humano comum, mesmo estando numa dimensão
acima. No mundo, a parcela de pessoas que têm compreenção melhor
de tecnologias sofisticadas é pequena. Milhões e milhões são
médicos, advogados, jornalistas, escritores, artistas, atletas,
cozinheiros, padeiros, pedreiros, todos com pouca, ou às vezes
nenhuma, afinidade com tecnologias de alto nível. Pior ainda nos
dias de hoje em que são controladas digitalmente, de forma
sistemica.
Essas mesmas pessoas eram capazes (e
ainda são) de dirigir automoveis como aqueles que descrevi acima.
Gostaria de saber como uma categoria vai explicar a essas pessoas que
um moto-gerador num momento impulsiona um dispositivo e em outro gera
energia impulsionado? Como alguém deve interpretar corretamente que
um carro com motor Ferrari ande na frente de uma Ferrari e bem
próximo da outra à frente, sem com isso atribuir essa situação
aos pilotos? Como deve ser entendido um evento em que o Alonso sai da
pista, supostamente por uma rajada de vento, no mesmo local onde os
outros passaram sem bater? Como você entenderia que ele poderia ter
levado um choque e desacordado, lembrando-se de que não estamos
falando da tensão de 110V da sua tomada e sim algo muito acima
disso? Quando Felipe Massa diz que não foi ao pódio por conta de
uma estratégia deficiente da equipe, você deve entender que a
equipe dele foi mal ou o concorrente foi bem?
Como você vai valorizar um piloto
nesse cenário dificilimo de julgar? Button foi o heroi azarado que
carregou o carro nas costas, tal e qual um Davi? Hamilton é o cara
dos caras porque tirou o maximo possível de um equipamento super
eficiente, volta a volta, e então ele é a versão 2015 do Schumi?
Nasser foi apenas um sortudo que competiu com outros dez onde
deveriam estar vinte? Quando Alonso voltar (certamente voltará),
qual explicação ele vai dar para um carro que ainda estará andando
atrás? Qual explicação que a equipe vai dar para a explicação
dele?
Essa babilônia de dificil
interpretação da categoria é coisa que sem dúvida não atrai o
público como já atraiu num passado em que você conseguia entender
a dimensão da pilotagem de um carro que guardava semelhanças
básicas com os nossos. Sabíamos que não tinhamos capacidade de
pilotar um carro desses porque sabíamos que isso estava muito além
da nossa capacidade de manejo. Hoje esses mesmos carros estão
disponíveis para garotos que não têm nem licença para dirigir nas
avenidas. Não é mais coisa para homens, na interpretação clássica
do que significa ser homem. É coisa para alguém que sabe manejar
algo que não temos saber nem compreenção suficientes, e que o
próprio piloto ainda irá adquiri-la no mesmo momento em que já
consegue fazer tempos que o autorizam a pilotar numa corrida.
Se você quiser pode encontrar no
Google o procedimento de start de um foguete Saturno V – uma longa
lista detalhada de procedimentos em sequencia. Não encontrará o
mesmo a respeito de um F1. No entanto, essas coisas hoje têm valor
apenas para algumas pessoas que se interessam em se aprofundar nesses
temas por razões bem específicas. A maioria do público que apenas
assiste esses eventos quer ver o espetáculo em si. Não vão
empregar um único minuto das suas vidas para entender minúcias
tecnológicas que são veiculadas com valorização acima do
propósito principal do evento, como se estivessem enchendo páginas
de texto que tiram o espaço de outros assuntos que talvez sejam
apenas repetitivos hoje em dia.
Pior ainda quando o evento não
consegue contar com todos os participantes, que possuem as
tecnologias mais sofisticadas e confiáveis, e nem com todas as
etapas em um esporte onde as cifras são giantescas mas alguns dos
participantes estão inexplicavelmente falidos, a ponto de poderem
estar numa corrida mas sem poderem participar dela.
Definitivamente o atrativo da F1
precisa ser esclarecido. Antes não era necessário.