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domingo, 22 de março de 2015

Please, could you explain it?

Vou tentar ser o mais breve possível, mas não posso deixar de colocar algumas considerações que entendo serem significativas. Na corrida da Austrália vimos um espetáculo digno de questionamentos diversos. O ultimo colocado, Button, foi um autentico azarado por não ter contado com a quebra de mais um dos carros do pelotão da frente, situação que faria o ultimo colocado marcar um ponto no campeonato. É visivelmente bizarro. Piquet faria troças aos montes de uma situação dessas, ainda mais tratando-se de uma McLaren.

Ao mesmo tempo os brasileiros festejaram um claro desempenho bem produtivo de Felipe Nasser, que por muito pouco não entrou no Q3 na classificação, na sua prova de estréia como titular. Finalizou em quinto. Parabéns, ele merece.

A Mercedes fez o papel previsivel e deu um genuino passeio na pista sem se incomodar com qualquer concorrencia e ainda tendo pista livre pela impressionante ausencia de retardatários. Há um abismo de performance entre eles o os outros. Parabens tambem ao Hamilton que sabe tirar o maximo do seu equipamento o tempo todo. Senão não poderia ser um campeão.

A exclusão do GP da Alemanha, anunciada nesta semana é notícia que surpreende no que diga respeito ao atrativo que a categoria pode oferecer. Neste ano, com calendário já publicado, não teremos uma prova que é parte da história da categoria desde o seu estabelecimento. É mais ou menos como a quarta-feira deixar de ser o dia da feijoada, guardadas as devidas diferenças. Uma situação “sem graça”.

Afinal, onde anda a graça da F1? Onde está o futuro da categoria do futuro? O que atrai,ou repele, o público?

Para fazer um paralelo, faço uso de velhas lembranças minhas.

Nos anos 1960 o mundo voltou as suas atenções para os vôos espaciais, com razões muito compreensíveis. Era uma coisa inédita, nunca realizada pelo homem naquelas condições. Três coisas básicas mantinham as nossas mentes ligadas aos acontecimentos nos dias de uma missão das Apollo:
- o lançamento, uma impressionante demonstração de poder e de ousadia.
- as imagens internas do vôo, onde se viam esquisitos painéis mais incompreensíveis que os de um avião.
- as imagens dos tripulantes de volta ao lar, sãos e salvos.

Não fazia muita, ou nenhuma, diferença se o APU de um Saturno V usava AVGAS ou Hidrazina. O que atraía era o espetáculo que envolvia muitas coisas além de uma tecnologia sofisticadíssima. Hoje, vôos semelhantes não causam sensação. Não há mais algo realmente surpreendente. Fora isso, hoje você pode ter o twitter de um astronauta na sua lista e sequer precisa ler uma pagina de jornal para ter as informações mais recentes. O mundo de hoje chega até você, não é mais você que vai até ele.

No mesmo período o nosso campeão Emerson pilotava um carro de engenharia de alto nível, mas com conceitos básicos perfeitamente dentro da nossa compreenção. Todos nós éramos capazes de andar com um carro com um volante, três pedais, uma alavanca de cambio e quatro rodas. Se um pneu estourasse, isso era tão visivel e compreensivel como nos nossos carros. Se um cambio quebrasse uma marcha era possível suspeitar disso antes do carro parar. Se ele parasse por falta de combustivel, ou o piloto pisou demais ou vasou. E assim por diante.

Enfim, a F1 era muito mais próxima da compreenção do ser humano comum, mesmo estando numa dimensão acima. No mundo, a parcela de pessoas que têm compreenção melhor de tecnologias sofisticadas é pequena. Milhões e milhões são médicos, advogados, jornalistas, escritores, artistas, atletas, cozinheiros, padeiros, pedreiros, todos com pouca, ou às vezes nenhuma, afinidade com tecnologias de alto nível. Pior ainda nos dias de hoje em que são controladas digitalmente, de forma sistemica.

Essas mesmas pessoas eram capazes (e ainda são) de dirigir automoveis como aqueles que descrevi acima. Gostaria de saber como uma categoria vai explicar a essas pessoas que um moto-gerador num momento impulsiona um dispositivo e em outro gera energia impulsionado? Como alguém deve interpretar corretamente que um carro com motor Ferrari ande na frente de uma Ferrari e bem próximo da outra à frente, sem com isso atribuir essa situação aos pilotos? Como deve ser entendido um evento em que o Alonso sai da pista, supostamente por uma rajada de vento, no mesmo local onde os outros passaram sem bater? Como você entenderia que ele poderia ter levado um choque e desacordado, lembrando-se de que não estamos falando da tensão de 110V da sua tomada e sim algo muito acima disso? Quando Felipe Massa diz que não foi ao pódio por conta de uma estratégia deficiente da equipe, você deve entender que a equipe dele foi mal ou o concorrente foi bem?

Como você vai valorizar um piloto nesse cenário dificilimo de julgar? Button foi o heroi azarado que carregou o carro nas costas, tal e qual um Davi? Hamilton é o cara dos caras porque tirou o maximo possível de um equipamento super eficiente, volta a volta, e então ele é a versão 2015 do Schumi? Nasser foi apenas um sortudo que competiu com outros dez onde deveriam estar vinte? Quando Alonso voltar (certamente voltará), qual explicação ele vai dar para um carro que ainda estará andando atrás? Qual explicação que a equipe vai dar para a explicação dele?

Essa babilônia de dificil interpretação da categoria é coisa que sem dúvida não atrai o público como já atraiu num passado em que você conseguia entender a dimensão da pilotagem de um carro que guardava semelhanças básicas com os nossos. Sabíamos que não tinhamos capacidade de pilotar um carro desses porque sabíamos que isso estava muito além da nossa capacidade de manejo. Hoje esses mesmos carros estão disponíveis para garotos que não têm nem licença para dirigir nas avenidas. Não é mais coisa para homens, na interpretação clássica do que significa ser homem. É coisa para alguém que sabe manejar algo que não temos saber nem compreenção suficientes, e que o próprio piloto ainda irá adquiri-la no mesmo momento em que já consegue fazer tempos que o autorizam a pilotar numa corrida.

Se você quiser pode encontrar no Google o procedimento de start de um foguete Saturno V – uma longa lista detalhada de procedimentos em sequencia. Não encontrará o mesmo a respeito de um F1. No entanto, essas coisas hoje têm valor apenas para algumas pessoas que se interessam em se aprofundar nesses temas por razões bem específicas. A maioria do público que apenas assiste esses eventos quer ver o espetáculo em si. Não vão empregar um único minuto das suas vidas para entender minúcias tecnológicas que são veiculadas com valorização acima do propósito principal do evento, como se estivessem enchendo páginas de texto que tiram o espaço de outros assuntos que talvez sejam apenas repetitivos hoje em dia.

Pior ainda quando o evento não consegue contar com todos os participantes, que possuem as tecnologias mais sofisticadas e confiáveis, e nem com todas as etapas em um esporte onde as cifras são giantescas mas alguns dos participantes estão inexplicavelmente falidos, a ponto de poderem estar numa corrida mas sem poderem participar dela.

Definitivamente o atrativo da F1 precisa ser esclarecido. Antes não era necessário.

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