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segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Interlagos - porque sou a favor da restauração

Acompanhei o automobilismo como platéia na minha juventude, me desliguei por muito tempo, mantive algumas poucas ligações e recentemente voltei a ter um contato mais próximo, que vem aumentanto gradativamente. Um dos acréscimos foi o meu próprio blog, onde trato de temas ligados à atividade. Tenho feito isso com muito pouca frequencia ultimamente pois não tenho tido tempo suficiente para dar ao meu blog o conteúdo que gostaria.

Mas tenho acompanhado um pouco mais de perto e em contato com pessoas que têem e tiveram participação naquilo que é o nosso automobilismo atual. E isso gera determinados aprendizados individuais. Gera julgamentos e vou expor um desses, conforme segue, a respeito da restauração do Autódromo José Carlos Pace, que conhecemos tradicionalmente como Autódromo de Interlagos.


Desde que a família Sanson construiu esse autódromo, muita coisa mudou no automobilismo brasileiro e no esporte em geral. Uma coisa que causou grande impacto no automobilismo foi o surgimento da indústria automobilística no país, que logo depois do seu início, ingressou no automobilismo de competição com o objetivo de expor as suas marcas numa atividade muito exigente da performance e confiabilidade dos seus produtos.

Nos dias atuais nenhuma montadora no mundo necessita disso. Todos os métodos de engenharia de concepção e de produção de automóveis, chegaram a um nível de excelencia tal que é possível se prever muita coisa que no passado só era possível antecipar por meio de testes muito duros, situação em que a competição em pista fazia sentido no ambito do desenvolvimento. Fora isso, hoje em dia a veiculação da imagem do fabricante e do produto é muito mais eficiente fora do universo das pistas. Assim, uma competição automobilística nos dias atuais serve mais para marcar presença de um produto do que levantar questionamentos eventualmente favoráveis da parte do futuro cliente. Isso do ponto de vista de uma montadora.

No ambito das competições nacionais, os resultados dos brasileiros nas pistas européias acabou desviando o foco da atenção do público pois lá se tratava do que havia de mais sofisticado e competitivo no automobilismo mundial. Então, ser bem sucedido lá era, e ainda é, um sinal de grande capacidade, de arrojo, por parte do piloto. Devemos nos lembrar que a Inglaterra é o grande berço do automobilismo do mundo.

A partir do momento em que os nossos bem sucedidos heróis puseram os seus pés de volta na terra pátria, pilotando carros muito mais velozes, mais sofisticados, e obtendo resultados positivos, passamos a entender que automobilismo era o que eles faziam e onde faziam.

Costumo sempre sustentar a idéia de que a vitória de Moco em Interlargos na F1 foi um divisor de águas. Pessoas da minha geração vibraram muito com aquela vitória que teve sabor de conquista. Passamos a ver a possibilidade de um substituto nacional à altura do grande Emerson Fittipaldi, uma continuidade. Infelizmente êle, Moco, não viveu o suficiente para tentar nos provar isso. Penso que Moco é um Senna que se foi mais cedo, respeitas as devidas diferenças e condições.

Este passou e no seu lugar surgiu Nelson Piquet e depois Ayrton. E essa história se conhece. Mas das pessoas que viram Ayrton iniciar, muitos são hoje homens casados, pais de família, que nunca se espantaram ao saber que um garoto chamado Emeron chegou em 8o. na chuva na sua prova de estréia na F1.

De lá para cá tudo mudou, incluindo uma passagem da F1 pelo Rio de Janeiro. Adoro o Rio e devo lembrar que o automobilismo brasileiro começou lá mesmo na Gávea. Mas Interlagos foi a primeira pista fechada, construída específicamente para competições. Tem um peso histórico na atividade. E um dia a F1 voltou para cá.

Mas essa volta teve duas consequencias significativas. Primeiro a mutilação do antigo circuito, motivada pela necessidade de expor os carros ao público em frações menores de tempo. A outra consequencia é que o público que já não tinha tanto interesse assim no automobilismo nacional, passou a ter a sua atenção presa à possibilidade de ver brasileiros se dando bem novamente nas nossas pistas e na categoria mais exigente de todas.

E o resultado final disso foi que o significado de automobilismo no Brasil passou a ser uma corrida anual de uma categoria que não era possível reproduzir em nosso território por razões muito óbvias. Nesse período as fábricas já haviam abandonado o automobilismo como marketing ha muito tempo. Enquanto isso o automobilismo europeu foi se sofisticando e se expandindo. De tal forma que o trajeto lógico de um piloto de competição que saiu do kartismo como campeão e sonha em fazer carreira, terá um destino certo - o exterior.

O nosso automobilismo foi definhando aos poucos, o interesse foi decrescendo cada vez mais, seja por parte do público, seja por parte dos investidores. É totalmente infundada a idéia de que o investidor tem que enxergar o automobilismo com paixão. Pode ser uma paixão, mas no caso do investimento deve ser concreto no quesito das expectativas de retorno. E isso ao longo do tempo foi ficando cada vez mais difícil.

Justamente Emerson provou uma segunda vez que o caminho do sucesso de um piloto brasileiro estava no exterior. Assim, a parcela do público que tinha alguma curiosidade com a F-Indy, pasosu a ter informação atualizada que incluía resultados positivos de pilotos nossos. E no caso de Emerson isso representou um revival de uma época dourada desse esporte.

Interlagos passou estar plenamente adaptado a uma prova da F1. E isso é importante para nós tambem pois enquanto há F1 por aqui, há a possibilidade dos contatos comerciais que podem dar chances a muita gente nesse mundo, incluindo os nossos pilotos.

O mesmo já aconteceu no Rio com a F-Indy que deu os seus passos por lá mas não vingou. Porém o público da Indy não esqueceu a categoria. Tanto que tivemos nesse ano aqui em São Paulo a primeira prova da categoria numa pista de rua criada às pressas. E houve público mesmo tendo sido criticada por muitos. Às criticas eu responderia singelamente que alguem fez, e que deveria ser feito. É mais uma possibilidade de aproximação de brasileiros interessados na categoria, o que inclui os nossos pilotos.

Hoje em dia temos uma questão ambiental no Brasil que dificulta até a construção de uma calçada e penso que isso deve sim ser levado a sério. Já destruímos práticamente todo o estado de São Paulo. Uma ótima logística para um novo atódromo em São Paulo seria em algum ponto da Castelo Branco ou da Anhaguera. Em algum lugar onde se dispusesse de acesso fácil, sem os impecilhos de Interlagos, o que inclui a distancia desse autódromo daqueles que estão no interior do estado.

Isso é práticamente inimaginável, pois as consequencias de uma idéia dessas seriam de longo prazo do ponto de vista da sua aceitação e efetivação. Haveria críticas aos montes e a dificuldade de obtenção de licensa ambiental pode-se imaginar que não seria pequena.

Posto isso tudo, e considerando-se que a possibilidade da F1 deixar o Brasil é pequena, que há espaço para a Indy, que há o desejo de se restaurar o antigo traçado, que a construção de outro autódromo não seria obra fácil, eu penso que seria viável existir dois circuitos em Interlagos.

Sabe-se que a F1 necessita de autódromos com as características de pista de Interlagos. O antigo traçado não seria adequado hoje como foi no passado. Por outro lado a Indy optou por uma redução do pacote tecnológico que permite que o carro utilize pistas menos sofisticadas, embora a categoria ainda seja veloz, e por que não, moderna tambem na modalidade monoposto. Tanto é verdade que a prova de São Paulo deixou isso muito claro à todos.

Portanto, embora não seja viável um oval em Interlagos, um ciruito alternativo está perfeitamente dentro das expectativas tecnológias da Indy e em condições de mostrar performance superior ao traçado do Anhembi.

E isso bastaria para que no mesmo autódromo, sem se derrubar uma árvore além das que já caíram, tivéssemos duas categorias de monopostos velozes, com uma corrida anual.

Ganharíamos mais público no autódromo, este teria uma veiculação maior no plano internacional embora isso não seja urgente, teríamos aqui mesmo uma espécie de point dos interesses maiores das pessoas ligadas aos investimentos no automobilismo, e por fim teríamos um traçado alternativo que muita gente deseja e que poderia ser perfeitamente utilizado pela Stock ou qualquer outra categoria, o que daria surgimento à variações muito bem vindas num campeonato.

Não resta muita dúvida de que vários pilotos desejariam pilotar nesse novo circuito. É preciso lembrar tambem que já pilotam no atual sem nenhum conflito de interesses com a F1. E porque um traçado alternativo entraria em conflito quando usado pela Indy? Não há nada que sugira isso, desde que as duas categorias continuassem usando aquilo que lhes foi destinado.

Penso que isso seria uma solução de longo prazo viável, e que poderia dar um novo alento a esse autódromo e muito provavelmente atrair público e interesses. É preciso se lembrar que são necessárias bases para que o automobilismo se revigore, que se dê ao menos um passo inicial concreto em direção à uma nova etapa.

A única maneira de se andar para frente é promover mudanças. Isso implica em relegar o passado às memórias e no caso do automobilismo o restauro de Interlagos não representa necessáriamente isso. Representa uma adaptação de algo existente em condições diferentes do que já foi. E quanto ao custo disso a longo prazo, é preciso considerar o que custaria construir um novo e o que custariam as demandas jurídicas para esse impedimento.

Por isso, sou favorável a uma reestruturação do autódromo José Carlos Pace visando um novo horizonte no nosso automobilismo. Não vamos nos esquecer que um autodromo inteiramente novo não significa um novo automobilismo e que o preço disso pode ser uma grande decepção.

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