Vinte anos depois que Senna faleceu ele
ainda é um herói para o brasileiro e mesmo que tenhamos outro
campeão nas pistas Senna continuará na distinção máxima. Essa
admiração acima da média é hoje uma história pronta, fechada,
que não mudará mais e que foi interrompida no auge da performance.
Senna teve tal impacto na vida do brasileiro que, talvez seja o único
brasileiro que despertou numa criança o desejo de ser como ele e não
como Pelé.
Para um garoto que conta hoje com 20
anos e que ,portanto, veio ao mundo no mesmo ano em que Senna se foi,
o pilôto é parte de um imaginário que pode ser compreendido pela
existencia de uma imensa quantidade de matérias jornalísticas e
filmes postados na internet. Para reforçar um pouco mais essa
admiração que existe de forma muito visivel entre os mais jovens,
há ainda os comentários do pai e as matérias de televisão com
pessoas que conviveram com Ayrton Senna.
Mesmo após a sua morte e sete títulos
de Schumacher na categoria, Senna permanece na condição de mito. De
tal forma que até mesmo na Europa há pessoas que entendem que Senna
era superior ao alemão Michael Schumacher. Nos ultimos dias Senna
esteve tão evidente na mídia quanto as tensões na Ucrania. E a
razão disso não é a mídia isoladamente que, de fato, se apropria
da oportunidade que o tema oferece para mais publicações. A razão
é, na prática, o próprio pilôto, o seu estilo profissional, as
suas marcas e o seu estilo pessoal.
Em resumo, Senna é uma figura singular
no meio, totalmente distinguível. A mídia, óbviamente, vai dar
destaque aos que estão ou estiveram no tôpo. Alguem hoje, por
exemplo, lembra de Scot Speed, um americano que chegou na F1 com
muitas palavras mas não sabia escolher que pneus usar num GP?
Senna se destacou e permanece nessa
condição em função dos seus próprios êxitos. De uma certa forma
é possível dizer que Ayrton Senna ofuscou outros grandes nomes do
nosso esporte. Para fazer uma comparação mais atual, Senna tem mais
importancia no imaginário dos mais jovens do que o tenista Gustavo
Kuerten, outro dos nossos nomes brilhantes do esporte, que um amigo
meu disse ser o Senna da raquete no dia da histórica e surpreendente
vitória em Roland Garros..
Para quem como eu está perto dos 60
anos, essa visão tem ingredientes a mais que reforçam a minha noção
de que Senna é, e sempre será, visto como o mais destacado
esportista brasileiro. Temos nomes no esporte que tiveram grande e
merecido destaque nas suas épocas e foram citados com verdadeiras
honras. Por exemplo, temos expoentes como Maria Ester Bueno, Adhemar
Ferreira da Silva, Pelé, Mané Garrincha, Éder Jofre, Miguel de
Oliveira, Oscar Schmidt, Emerson Fittipaldi, Nelson Piquet, Gustavo
Borges, e mais um lista significativa capaz de mostrar que o Brasil
tem mesmo do que se orgulhar no esporte. Senna é visto no tôpo da
lista.
Para quem, como eu, se lembra do hino
dos canarinhos quando eu tinha tão somente 7 anos de idade em 1962 e
não entendia bem porque o brasileiro era o melhor de um mundo
esquisito em que comunistas comiam criancinhas, o entendimento da
admiração da qual Senna desfruta hoje entre os brasileiros, tem
causas adicionais.
Em 1966 Pelé travou praticamente
sozinho uma duríssima batalha com nossos adversários, sendo parte
de um time bem desorganizado que voltou para casa de cabeça baixa e
vaiado, mesmo sendo já duas vezes campeão no futebol. O Brasil
melhor do mundo se tornou um dos piores e a sensação de decepção
foi expressa literalmente na forma de tristeza e mandou a nossa
autoestima para um dos níveis mais baixos até então.
Em 1970 me lembro muito bem da inversão
dessa sensação de uma forma sem precedentes na nossa história até
hoje. Estávamos curados da nossa suposta inferioridade. Dois anos
depois Emerson Fittipaldi fez o que certa vez Nelson Piquet
classificou como colocar o ôvo em pé. Ganhou um título que ninguem
cogitaria, em terras alheias, sendo parte de um time que não era
nosso, brigando com gente que nunca acreditaria num brasileiro para
essa distinção, num esporte no qual não tinhamos uma várzea
reveladora de talentos.
Emerson se tornou o máximo naquele dia
em Monza. E no retorno ao Brasil desfilou nas ruas em carro do corpo
de bombeiros, assim como a seleção dois anos antes, e com muita
gente acenando para o novo representante da nossa superioridade.
Assim, deu um surpreendente pontapé inicial num jogo que passamos a
assitir todos os domingos pela manhã.
Ao mesmo tempo que o nosso maior
futebol do mundo ficava gripado, tendo chegado depois à pneumonia, o
automobilismo se tornou o nosso mais potente analgésico. Até 1994 o
brasileiro teve motivos para continuar engolindo com menos
dificuldade uma seleção de 'fim de grid', ao mesmo tempo que fazia
festa com frequencia para vitórias em corridas e campeonatos. O
automobilismo nesse período teve a capacidade de fazer o brasileiro
ir mais cêdo para a cama no sábado e deixar para mais tarde a
pelada de domingo, muito comum antigamente nas manhãs.
Senna chegou no tôpo dessa trajetória
alimentando a ansiedade do torcedor num cenário de disputas que
lembrava muito bem o nervosismo que o brasileiro sentia numa partida
da seleção nos anos 1960. Ele deu continuidade a esse desejo de
vitórias e bandeira brasileira visível para o planeta. Tivemos
Emerson e Nelson e na falta deles tínhamos Senna. E para
potencializar mais a admiração, entram no computo números
recordistas não imaginados na época.
A interrupção trágica de uma
trajetória que ainda tinha outros capítulos mais, imediatamente
deixou no torcedor fanático a sensação de apito final. A festa
acabara e restava esperar que alguem o substituisse pois ele mesmo já
tinha feito esse papel com brilhantismo, e assim sendo outro
brasileiro viria na sequencia. Nos anos que se seguiram o futebol
curou-se da gripe prolongada, viramos os melhores do mundo outra vez,
e hoje nos próprios estádios de futebol Senna é lembrado e
ovacionado.
Mas nunca foi substituido à altura. E,
por enquanto, nada aponta para a possibilidade de que venha a ser.
Hoje quando se completam 20 anos da sua morte a Copa do Mundo terá
início justamente no estádio do seu time. Se estivesse vivo, com
toda ceteza estaria presente no estádio torcendo para a nossa
seleção da mesma forma como fizemos no passado, fosse numa partida
de futebol ou numa corrida de F1.
Embora a tragédia tenha interrompido
uma carreira no auge da performance, e marcado a sua imagem para
sempre nas lembranças de quem o viu pilotar, Senna será sempre
reverenciado como o nosso maior pilôto de automobilismo, ainda que
algum dia tenhamos mais outro campeão de F1. Assim como o futebol se
recuperou e ganhou novamente, no automobilismo nada impede que isso
venha a acontecer e com certeza Senna será para um pilôto
brasileiro a referencia de superioridade, de combatividade. Quando
veremos isso novamente é dificil imaginar. Pode ser que nunca
aconteça enquanto estivermos vivos. Pode ser que a nova geração
que está dando as caras hoje, comece outra etapa em que vai valer
mais a pena acordar cêdo num domingo e cancelar a pelada do fim de
semana. Tudo é possível.
Um comentário:
Obrigado Tala. Quem sabe eu consigo voltar à carga de novo no blog. Precisamos nos encontrar um dia desses. Estou trabalhando mais ou menos perto de voce. Abrx
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