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quinta-feira, 18 de março de 2010

Nos Bastidores do Automobilismo Brasileiro (18)

fragmentos do livro de Jan Balder e comentários do Amigos Velozes.

No final de 1970 realizou-se a Copa Brasil, da qual Emerson participou com um Lola T210 apelidado de Lolinha. Já havia conquistado a sua famosa primeira vitória nos Estados Unidos. O automobilismo brasileiro vivia uma grande fase e ganharia muito impulso nos anos seguintes. A Fórmula Ford havia sido criada e se tornaria uma importante categoria de monopostos no Brasil. Um torneio de final de ano no país de origem era uma oportunidade de estar em contato com família e amigos, ao mesmo tempo que divulgava a sua imagem que estava em alta na época. Quando Emerson optou por se mudar para a Europa, uma coisa que lhe chamara atenção foi a incrivel organização das equipes européias, que ele constatou ao acompanhar a F2 na Argentina. Agora como piloto da Lotus, as disparidades poderiam soar mais grotescas ainda, conforme os parágrafos abaixo. No seu livro, Jan comenta uma passagem hilária, na qual faz menção a um amigo meu.


Emerson aprendera na Fórmula 1 que a diferença entre a temperatura interna e a externa da banda de rodagem, referência na época, não deveria ultrapassar 10 graus Fahrenheit, para proporcionar melhor alinhamento do pneu em relação ao solo.

Em todas as paradas no boxe espetávamos a ponta da agulha do pirômetro na banda do pneu (externo, central e interno) e anotávmos tudo para trocar idéias sobre o trabalho do pneu na pista. Por consequência, variávamos cambagem, convergência e carga da suspensão, à procura do melhor compromisso.

Nas primeiras voltas, o Emerson virava em 2’55” e, no fim do treino, baixou para 2’52”. Vibramos com o progresso.

Antes da primeira etapa, a grande preocupação de Emerson era a chuva. Ele só tinha pneus com ranhuras do tipo misto, e a fábrica Lola não enviara os pneus com sulco mais profundo, específicos para chuva. Ele me perguntou onde poderíamos adaptar um jogo de penus mistos, aprofundando os sulcos, e tentamos alguns recauchutadores, sem sucesso.

Lembrei-me do João, nosso amigo comum, nosso borracheiro oficial dos tempos da fábrica de volantes. Ele ficava numa “boquinha de porco”, em um pequeno espaço na Avenida Adolfo Pinheiro, em Santo Amaro, zona sul. Fomos de noite bater à sua porta. Ele dormia no sótão e ficou assustado quando reencontrou o Emerson, o mesmo menino que virara seu ídolo, assim como de tantos brasileiros.

Explicamos nossa necessidade e ele coçou a cabeça. De repente, subiu até o mezanino e veio a solução: um enorme facão. Ele perguntou: “Como vocês querem o pneu?” Rimos muito e o João, com sua “peixeira”, fez o serviço, cortando e aumentando os sulcos, com o Emerson apavorado: “Cuidado para não cortar ele todo...”


Eu tinha 15 anos de idade e acompanhava algumas coisas atravéz da revista Quatro Rodas. Alguns anos depois eu viria a conhecer o borracheiro João, acima referido, atravéz de um amigo. No mesmo quarteirão estava a oficina de um preparador que ficou muito conhecido na época, o Anésio. Um quarteirão depois a do Charles Marzanasco, que mais tarde virou uma doceria. Anos depois, um quarteirão abaixo, numa esquina da Santo Amaro onde havia um posto de gasolina com um grande galpão ao fundo, instalou-se Luis Antonio Grecco. O local hoje é uma agencia do Banco Safra.

João tinha muitos amigos na região e era normal encontrá-lo na porta da oficina, sempre nos cumprimentando com um sorriso e algumas piadinhas. Ele batalhou duramente até que a sua boquinha se tornasse uma oficina mais completa. Certo dia ao passar a pé pelo local, vi uma aglomeração em frente a oficina e João do outro lado da Adolfo Pinheiro. Fui lá falar com ele e encontrei o meu amigo muito preocupado e triste. O terreno ao lado havia sido escavado para a construção de um prédio com garagem subterrânea. Incrivelmente, os engenheiros não previram nenhuma forma de escora e escavaram na linha da divisa, expondo as vigas do prédio da oficina. Desabou uma parte do prédio e por sorte não perderam os carros dos clientes pois um funcionário apressou-se em retirá-los de lá quando sentiu o primeiro tremor. Tão logo saiu o ultimo carro a oficina foi destruída. A construtora arcou com os prejuizos e meses depois João se mudou para outro local próximo à ponte do Socorro. Infelizmente faleceu pouco tempo depois e a notícia correu rápidamente entre os amigos. Perdemos um amigo que nunca se negara a quebrar alguns galhos na hora do aperto.

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