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sábado, 12 de maio de 2012

F1 - um nicho onde os projetos são ‘pilotados’ por engenheiros




As escorregadas de Galvão Bueno nas transmissões são históricas e motivo de muitas manifestações, às vezes jocosas até. Hoje uma dessas não foi percebida por ninguem que não tenha conhecimento prático do tema. E é bom que se adiante que nesse caso não se tratou de exagero dele mas sim de desconhecimento da matéria. Em determinado momento da transmissão dos treinos de classificação para o GP da Espanha, Galvão falava da engenharia envolvida na construção dos F1 atuais e comparou a épocas passadas (citou Colin Chapman especificamente), onde tudo se fazia na prancheta, como no ambiente da arquitetura. E afirmou que hoje os computadores fazem tudo sozinhos e portanto evitam erros.

Foi interessante que ele próprio disse não entender como a Ferrari teria construído um carro deficiente tendo todos esses recursos modernos à mão. Mas é possivel entender o porquê.

Posso falar do assunto com conhecimento de causa pois sou profissional do meio, muito embora num nível muito abaixo dos projetistas da F1 que, diga-se de passagem, estão entre os mais gabaritados do planeta.

É fácil entender que os engenheiros do passado tinham trabalho redobrado antes de passarem a utilizar os atuais programas de computador que, ao contrário do que Galvão afirmou não fazem tudo sozinhos. Eu tambem já trabalhei na prancheta fazendo uso de calculos à mão, réguas de calculo e calculadoras eletronicas. E entendo a dimensão das dificuldades que esses antigos projetistas enfretavam. Absolutamente tudo saía da mente e era expresso no papel na forma de desenho, e memorial de calculo.

Atualmente empregam-se nas salas de engenharia dessas equipes, softwares de categorias designadas pelas siglas CAE/CAD/CAM. A letra ‘A’ nestas siglas vem do ingles Aided, ou auxílio em portugues. Portanto são ferramentas que têm a finalidade de prestar auxílio na execução de uma tarefa.

Afim de dar um esclarecimento muito breve aos totalmente leigos do assunto, descrevo de forma bem resumida a finalidade de cada um.


CAD - Design auxiliado por computador, é um software capaz de gerar uma forma tri-dimensional virtual ou uma montagem dessas. Com base em recursos de modelamento 3D de curvas, superfícies individuais ou sólidos fechados, essa categoria é utilizada para criar um objeto complexo com todos os seus detalhes de design e pode emitir os desenhos (plantas) antigamente gerados na prancheta de desenho. Tambem é capaz interfacear com outros softwares da categoria e emitir relatórios diversos, inclusive os utilizados na área administrativa da empresa. É portanto uma ferramenta de desenho que substitui a prancheta e a lapiseira, e tambem outros recursos antigamente empregados para a criação de formas complexas.

CAM - Manufatura auxiliada por computador. Essa castegoria pode ser até mais sofisticada que a anterior em virtude de ser a responsavel pela geração dos processos de fabricação dos modelos 3D gerados pelo CAD. No caso dos mais avançados trata-se de software com uma grande capacidade de adaptação ao meio de fabricação em particular. Na atualidade as máquinas de manufatura (CNC) são controladas por computador e os softwares dessa categoria são os emissores dos programas que irão acionar essas máquinas. Em certos casos, muito típicos do ambiente da F1, esses programas assumem uma tal complexidade que o ser humano não conseguiria criá-los à mão, não por falta de capacidade mas por ser um trabalho tão estenuante que qualquer um desistiria no início. Ao contrário do que muitos da área dizem, os programas dessa categoria não fazem tudo sozinhos e na verdade possuem inúmeras possibilidades de interferencia do usuário nos parametros que são utlizados para a criação dos programas de fabricação. Na verdade os sfotwares dessa categoria são totalmente dependentes da inserção desses parametros.

CAE - Engenharia auxiliada por computador. Essa categoria é a que envolve o mais profundo emprego da inteligencia embarcada. São softwares analíticos que básicamente a partir do uso de cores e relatórios em texto mostram o comportamento das partes ou todo de um modelo 3D sob certas condições de trabalho. Na atualidade é o substituto do armário de livros do antigo engenheiro e a sua calculadora. Com esse tipo de software é possivel se calcular a deformação de uma peça desde que sejam fornecidos com precisão todos os dados físicos dela. E devido ao poder computacional os resultados mostrados estão dentro de um panorama de larga dinamica, de tal forma que um calculo manual em uma peça simples poderia levar um tempo inviável. E o mesmo calculo em um conjunto, feito com a mesma amostragem de dados, estaria além da capacidade do ser humano suportar, tal o numero de variáveis exigidas e resultados emitidos. Uma das razões pelas quais são empregadas cores como forma de expressão dos resultados.

Há mais outros softwares de engenharia com aplicações específicas mas os tres principais são esses. Na atualidade a engenharia não pode dispensar o uso dessas ferramentas, que são responsáveis por uma produtividade que está fora das possibilidades naturais do ser humano.

Porem, como as próprias siglas sugerem, são programas de auxilio e não de tomada de decisão. Isso quer dizer que os dados entrados pelo usuário são de suma importancia no processo. Isto significa por consequencia que ou o usuário entende da sua matéria, a modalidade específica da engenharia na qual trabalha, ou não vai conseguir nem dar o primeiro passo de forma correta.

Esse programas não idealizam coisas pelo ser humano. Ao contrário disso são ferramentas que potencializam muito o uso da imaginação, muito especialmente pelo fato de que podem ser geradas correções de forma muito otimizada. A conceituação está a cargo do homem ainda e deve continuar assim.

Apenas para finalizar, tudo que sai desses programas passa, no caso da F1, por testes físicos que podem gerar resultados que demandem modificações. Ditas modificações no passado eram muito custosas em todos os sentidos e atualmente são muito dinamicas.

O maior responsável pela performance incrível dos carros de F1 da atualidade não são programas de computador ou eletronica embarcada. São os homens que criam e manejam tudo isso. E no caso da F1 são pessoas de grande qualificação profissional, que os coloca entre os mais gabaritados projetistas da atualidade. Pode o leitor ter a certeza de que na F1 estão os melhores projetistas de carros do mundo. E que não se esqueça que aprenderam muito com os do passado, justiça seja feita.

Os engenheiros da atualidade ‘pilotam’ esses programas, e no caso da F1 o fazem com muito conhecimento fundamental e prático da sua área de atuação. E no caso da Ferrari desse ano, alguem pilotou mal alguma parte desse processo. Essa é a explicação mais lógica e aceitável para a performance dos lendários vermelhos do grid, que nessa temporada continuarão recebendo sempre alguma atualização adicional de engenharia, idealizada pelo homem e não pelo computador.

3 comentários:

Anônimo disse...

Obrigado Zé clemente pela aula e fico feliz em saber de certas coisas que nunca imaginaria com Galvão falando a todo momento!

Leo Ceregatti disse...

Zé Clemente, belo post!
Te conheci no galpão do Minelli, ficamos conversando no sábado, aliás se deixasse a conversa rolar, ficaríamos até altas horas.. rs..
Sobre os recursos computacionais atuais, concordo contigo; a qualidade do resultado é tão boa ou ruim quanto os "inputs" que são colocados. É como o próprio carro de corrida - não adianta nada pegar o melhor carro e colocar um chimpanzé para pilotar (apesar que tem certos pilotos que se eu tivesse que apostar dinheiro, apostaria no chimpanzé...).
Nada substitui o conhecimento, a experiência!
E o Galvão, deixa pra lá...
Um abraço!
Leo Ceregatti

Pedro Rodrigues disse...

Zé, virou rotina elogio, o Galvão não lê suas postagens hehehe, bem devia ler!