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quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Jan Balder - Após as competições! (8)


Há coisas que não podem ser ditas de forma condensada. Neste post que é um dos últimos dessa entrevista e o mais longo, Jan Balder fala, entre outras coisas, do ambiente de trabalho e o estímulo de se fazer as coisas que se gosta.

Criatividade durante uma F1 mais ´aberta´.

- Estamos aqui com gravador e eu me lembrei de uma coisa interessante. Na Bélgica em Spa-Francorchamps, em 95 o Christian estava na Arrows e nós tínhamos um companheiro na Eldorado que cobria a fórmula Indy que era o Jorge Meditsch. E êle nos inspirou a fazer uma coisa. Colocou um gravador no Émerson e êle fêz um treino gravando. Foi uma gravação que chamou muito a atenção. Usaram como chamada na rádio Eldorado.

- No oval?

- No oval. Lá em Spa pensei em fazer um negócio desse com o Christian. Aí o Christian saiu e em Spa tinham feito uma chicane antes da Eau Rouge e isso era uma novidade naquela pista e todos estavam curiosos com o resultado da modificação. E ao mesmo tempo, inspirado no Jorge Meditsch que tinha feito uma bela matéria com o Émerson, eu falei com o Wilson, o pai dêle, e com o acessor de imprensa, da possibilidade de fazer isso. Era muito empírico porque tinha que amarrar um gravador ou no joelho ou na perna, o cabo, e o microfone que estava embaixo do queixo. O Christian disse "Se bater vão os meus dentes embora". Era treino livre e eu falei para êle ir com cuidado. Como lá sempre chove, naquele dia estava chovendo também. Falei para êle enfatizar na Eau Rouge, para êle dizer o que achava da modificação que tinham feito. Se era válida ou não. Amarramos o gravador na perna dêle. O pessoal da Arrows usou fita silver-tape e êle saiu. Quando êle parou no box todo mundo foi ver o gravador. A equipe tambem queria saber se tinha saído alguma coisa. Tirei o gravador e êle tinha literalmente quebrado. Talvez nas freadas, alguma coisa que não sei dizer danificou o gravador.

- Eu tinha só um gravador e estava com o Mário Andrade Silva. Pedi o gravador dêle emprestado e êle ficou com receio "Jan, se quebrar não vamos ter matéria para passar". Arriscamos e deu certo, foi muito legal. A rádio colocou no ar durante tres ou quatro dias antes da corrida e também durante a corrida: "Ouça uma volta de um pilôto em Spa-Francorchamps". E como chovia, às vêzes patinava e saía o som do motor subindo de giro. Foi bárbaro.

- O Wilson estava no Brasil. A corrida seguinte foi em Monza e o Wilson foi pra lá. "Jan, aquilo ficou demais, demais. Vamos gravar de novo". Aí nós melhoramos o equipamento, arrumamos um microfone menorzinho porque Monza era uma pista de alta com curvas de alta e se acontecesse alguma coisa com aquele baita microfone redondo no queixo dêle....

- Arrumamos um de lapela. O Christian saiu, gravou, e quando parou o Wilson tirou o gravador e me trouxe para ouvir. Ligamos e ouvimos só vento, não tinha nada gravado. Não quiz arriscar colocar o outro microfone e deixamos por isso mesmo.

Consciencia do papel a desempenhar.

- Quando você chegou nêsse ponto, estava fazendo as transmissões de F1 de uma maneira bem natural, sem aquêle nervosismo. Você já estava se vendo como um jornalista?

- Não, não. Isso foi uma coisa que aconteceu. Como a rádio Eldorado tinha me incentivado a fazer o primeiro boletim e deu certo, deu um eco, como eu não estava mais correndo e queria ficar ligado diretamente ao automobilismo, foi uma maneira de associar as duas coisas. Resolvi fazer porque acho legal, vou na Band com o maior prazer de fazer hoje em dia. Pode ter um, dois, tres, cinco pessôas na cabine, não importa, é legal de fazer.

- Mas você está fazendo profissionalmente.

- Também, claro. Mas é uma coisa que é agradável. Corrida de automóvel é uma coisa que quando você gosta e você conseguiu unir o útil ao agradável, é um negócio estimulante. Acho que tudo na vida é assim, não só no automobilismo.

Um outro jeito de fazer as coisas.

- Quando você deixou de pilotar e foi para a Eldorado e depois para Band, você passou para o lado da mídia. A lógica e a ordem do jornalismo e do automobilismo são absolutamente diferentes. Na rádio, começou é pau direto porque você está no ar. É muito diferente do automobilismo. Ali o pilôto senta no carro pra pilotar, deu a bandeirada acabou tudo, acabou o mundo e o cara vê só a pista na frente. É diferente de uma cabine de rádio onde você tem que observar tudo que está acontecendo, tem sinais, horários onde vai entrar comercial, isso e aquilo. Como funciona?

- O Odiney é o cara que comanda. Êle tem os horários, êle é quem chama os outros quando ele acha que deve. Como êle é um cara que conhece, passou a conhecer, ele já sabe o momento certo de perguntar ou pra mim, pra êsse ou aquêle, ou cortar e fazer uma chamada. É muito tranquilo.

- Você está na posição do pilôto quando você tinha equipe. Você está na posição inversa.

- É, mas é muito agradável fazer com o Odiney. O que eu acho legal é que êle respeitou, respeita o período em que êle começou na fórmula 1. Êle começou sem conhecer. Êle começou com aquêle time, aprendeu tudo, tem experiência e hoje êle comanda bem. Tem um lado humano aí, de amizade que me faz trabalhar com o Odiney. Êle pode reclamar e me criticar e eu também.

- Você já deve ter se habituado com os têrmos da rádio. É como os sinais de pista. Na rádio tem uns têrmos próprios. Você já se acostumou com isso?

Por sinais. Como nas pistas.

- Em épocas bem mais antigas da equipe Willys o Grecco olhava e o olhar dêle já dizia tudo. Numa equipe, à medida que vai engrenando, amadurecendo, um gesto quer dizer muita coisa. Como estamos há muito tempo juntos, muitas coisas que acontecem nós fazemos um gesto. Eu não preciso chamar o Odiney para entrar num comentário. Eu olho pra êle e êle sabe que eu quero entrar. Êle olha pra mim, pro outro e pro outro e fala "Jan..." e eu entro. Eu sei que êle vai me chamar é uma coisa natural. A gente vem fazendo isso ha muito tempo juntos e é prazeroso. Fazer uma coisa que você gosta e a pessôa te dar a chance.

- Antigamente quando você ia no box em Interlagos, ía passando pelas equipes e cumprimentando, batendo um papo e depois entra no teu box e vai cuidar das tuas coisas. Como é esse negócio no jornalismo? Você chega na rádio e encontra a tua equipe e outras pessôas que estão lá. Como é, tem um ambiente social?

- O ambiente na Band é bárbaro. Como as corridas de F1 são de fim de semana, tem turnos diferentes. Tem gente que faz um fim de semana e não faz o outro. Às vêzes eu chego lá e tem gente que eu não conheço me oferecendo um cafézinho. É um ambiente gostoso de conviver. Se eu não estiver com a garganta muito bôa vem alguém com um copo d´agua. É uma coisa agradável. Na rádio Eldorado era assim também. Eu não continuei por outras razões mas era muito legal.

- O rádio tem uma coisa interessante. O rádio AM é um grande meio de comunicação, mas o cara que está atrás do microfone tem que transmitir a imagem que tá na cabêça dêle, o que está vendo. Você escreveu um livro sobre o que você viu, sentiu, etc. Essa tua capacidade de escrever você desenvolveu no rádio por ter que transmitir uma cena?

- Não foi bem por êsse lado. Quando eu fiz o livro eu queria colocar como o Brasil têve sucesso nas pistas. Pensavam que o Émerson tinha caído de para-quedas. Não foi assim, êle aprendeu aqui, têve um bêrço. Eu queria contar essa estória da maneira que eu vivi estando junto, não fui influenciado por nada. Alguém sabia que êle não caiu de para-quedas na Inglaterra, que foi com esfôrço, com dificuldade, que trocava cartas com os amigos? Tinha que colocar isso pro público, não sabiam disso. O que o público sabia do Émerson é que êle estava correndo de F1, tinha uma baita vida, ganhando dinheiro pra caramba. O livro é um relato daquilo que eu vi.

- Depois da Eldorado você foi para a Bandeirantes. Como rolou?

- A Eldorado estava num processo de transformação, troca de diretoria e eu não consegui fechar com êles. Em todo o meu período de Eldorado o diretor João Lara Mesquita abria a possibilidade de viabilizar os meus boletins com algum tipo de apoio. Êle não tinha verba mas se eu conseguisse um apoio toda essa verba era minha. Era uma troca. Quando mudou tudo, muita gente que fazia boletins deixou de fazer porque era essa permuta que dava chance de fazer um boletim e assinar.

- Passou um ano e o Marcelo D´Angelo que era a exatamente a primeira pessôa com quem fizemos uma transmissão de F1 na Eldorado, se tornou chefe de redação da Band News. Um dia eu encontro com êle e me pediu para passar lá. Eu fui e acertei um esquema com a Band de fazer boletim e depois com o Odiney de fazer a transmissão da F1 porque o horário é dêle. Hoje o Marcelo não está mais mas a programação continuou.

O jornalismo de automobilismo no Brasil.

- O Edgard de Melo Filho, até onde eu sei foi o único que fêz uma transmissão de uma corrida, uma Mil Milhas, de dentro do carro, se não me engano para a tv Bandeirantes. Porque você nunca quiz trabalhar na televisão? Não pintou ou você não quiz?

- Não apareceu, não têve nada ligado à tv. Têve alguns ensaios mas nada muito concreto. Não foi porque eu não quiz. Não aconteceu.

- Você fez umas entrevistas com o Reginaldo na tv.

- Fiz uma vez na cultura no programa Roda Viva. Foi com o Rubinho.

- Na europa tôda tem muito jornalista falando de F1 que entende de automobilismo. Hoje aqui no Brasil tem muito jornalista que entende de F1?

- Tem. Agora tem muita gente mas êles colocam determinadas coisas numa posição que é assim. Eu acho que a primeira coisa que tem que entender da F1 é que é um produto profissional. A maioria das pessôas que fazem automobilismo não entendem bem isso. Por isso entra muito na base da euforia do impulso. Não entra diretamente no que é como produto.

- O jornalista brasileiro não estuda automobilismo?

- Tem alguns que estudam. Eu acho que na média geral o que falta para o jornalista brasileiro, que na europa tem muito, é que alguns europeus ou corrêram de automóvel ou estiveram diretamente ligados à alguma equipe, e então êles passam a entender do automobilismo de uma maneira muito mais abrangente, em detalhes. O jornalista brasileiro fala muito no impulso, no clima do momento. Porque a maioria não correu de automóvel, não teve equipe de corrida que têve que empresariar, que tem que ter patrocinadores e apresentar resultados. E assim interpretam de uma maneira muito diferente do que a média interpreta.

- Mas o Carsughi por exemplo é um cara que nunca pilotou.

- Mas êle tem bom senso, êle acompanhou desde as corridas da Gávea. Êle conhece bem a história. Você citou um nome que é uma excessão, toda regra tem excessão. A maioria quer mais é dar uma notícia de forma bombástica do que a razão de ser daquela notícia.
 

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